segunda-feira, 29 de abril de 2013

CLT 70 anos: Trabalhadores autônomos crescem no País serie reportagem IG


Carteira de trabalho lidera a formalização nos anos 2000

Nos últimos cinco anos, porém, empregado por conta própria cresce mais rapidamente

Fonte:  (IG São Paulo)  
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada em 1943 pelo presidente Getúlio Vargas, completa 70 anos nesta semana ainda sob a crítica de uma boa parcela da iniciativa privada, que considera a legislação ultrapassada, paternalista e responsável por uma parte representativa dos custos das empresas.
Sob esse argumento, ainda há um forte coro em defesa da flexibilização das leis do trabalho. Os estudiosos, no entanto, lembram que ao longo de sete décadas o texto original da CLT passou por cerca de 900 alterações. Uma delas, por exemplo, extinguiu a estabilidade de emprego. Outra oficializou o direito à greve.
Para os especialistas, sem a regulamentação o Brasil não teria visto o crescimento, acentuado na última década, da formalização do mercado de trabalho. Mas, ao mesmo tempo que cresce o número de trabalhadores com carteira, avança no País o número de profissionais sem carteira assinada que optam por eles próprios pagarem a Previdência.
Em um País onde ainda há flagrantes de casos de trabalho análogo à escravidão e, sob a regra informal do jeitinho, empresas se esquivam de assumir sua cota de obrigações, é evidente a necessidade de avanços na relação entre patrões e empregados.
O iG apresenta a partir de hoje cinco reportagens especiais que mostram como as relações de trabalho avançaram no País desde a criação da CLT, segundo a ótica de empregados, especialistas, empregadores, ex-ministros e sindicalistas.
De 2001 a 2011, o número de empregados com carteira assinada cresceu a uma taxa média de 6,1% ao ano, acima das outras opções de emprego formal, como se tornar um trabalhador por conta própria contribuinte da Previdência ou um funcionário público, por exemplo. Essas avançaram em média 5,8% e 3,6%, respectivamente, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), do Instituto de Brasileira e Geografia e Estatística (IBGE) tabulados pelo iG .
O cenário se inverteu entre 2006 e 2011. Nesse período, enquanto a carteira assinada continuou a crescer quase no mesmo ritmo, 6,2%, a do trabalhador por conta própria que contribui para a Previdência avançou, em média, 11% ao ano.
Apesar do crescimento constante da formalização, seja por meio da carteira profissional ou do vínculo direto com a Previdência, ainda há uma massa expressiva de trabalhadores sem a proteção do Estado. São 18,6 milhões de brasileiros, ou 20% da população economicamente ativa, no limbo. São produtivos, mas não têm direitos.

Divulgação
Cilmar Azeredo, coordenador do IBGE: espaço para regularização do mercado de trabalho

"Espaço há [para ampliar a formalização]. Segundo os dados da Pesquisa Mensal de Emprego, 80% dos empregados no setor privado têm carteira de trabalho assinada", diz Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE. A atual conjuntura de baixo desemprego, avalia, é fundamental para que isso se dê.
“Hoje, manter um funcionário fora do âmbito do trabalho registrado é correr um risco. Além de a Justiça estar mais rápida e mais atenta a esses processos, o próprio trabalhador também está”, diz.
“Por outro lado, o Brasil vive um processo econômico com uma das menores taxas de desocupação do mundo, favorável à formalização. Porque nada disso acontece se não há um processo que se adeque a essa realidade.”

Os formais

Evolução dos empregos formais no Brasil, segundo definição OIT 2002
Fonte: IBGE. Elaboração: reportagem


‘Cenário favorável para formalizar’
A formalização do mercado de trabalho brasileiro ocorreu não apesar, mas por causa das regulações, aponta Janine Berg, economista-sênior de desenvolvimento da Organização Internacional do Trabalho OIT).
“Não houve [no período] uma flexibilização do mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, houve aumento do salário mínimo”, afirma Janine, que atuou no escritório brasileiro da OIT.
Em artigo publicado em 2011, a pesquisadora aponta cinco fatores para explicar como o desemprego caiu e, ao mesmo tempo, o mercado de trabalho se tornou mais formal: o aumento da demanda por trabalhadores formais em razão do crescimento da economia; a redução da oferta de mão de obra, em razão do envelhecimento da população e da maior escolarização dos jovens; a implementação da lei do Simples Nacional, que estimulou a regularização entre os pequenos e médios empreendedores; e o aumento da fiscalização aliado a um conhecimento maior da população sobre as leis trabalhistas.
De acordo com dados da PNAD, a proporção da população ocupada que tinha algum tipo de formalização pelos critérios de 2002 da OIT avançou de 43% para 55% entre 2001 e 2011, depois de uma estagnação ao longo de toda a década de 1990.
Mas, se o número aponta, também revela que 45% dos ocupados ganham a vida às margens da formalidade, como empregado sem registro, ou trabalhador por conta própria que não contribui para a Previdência, por exemplo.

Arquivo pessoal
O advogado Márcio Yabuki trabalhava com carteira registrada até que se tornou autônomo

Flexibilização
Professora de relações do trabalho da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Denise Delboni, vê, entretanto, algum risco na aceleração da figura do trabalhador por conta própria, que acaba por tornar a taxa de desemprego um tanto “artificial.”
“Muitas das pessoas que estavam procurando emprego resolveram abrir o negócio próprio e acabam oferecendo empregos que, geralmente, são precários”, afirma. “E tem um detalhe: às vezes a pessoa nem é microempreendedora e é forçada a abrir um CNPJ para emitir nota fiscal quando na verdade, tem um vínculo empregatício.”
“Resolvi virar autônomo, mas penso em voltar a ter registro no ano que vem”, diz o advogado Márcio Yabuki, de São João da Boa Vista, no interior de São Paulo, que trabalhou sem registro desde que se formou em Direito, em 2009, até 2012.
Para Denise, o fenômeno indica a necessidade de atualizar a legislação trabalhista, para permitir a emergência de novas formas de contrato e fortalecer as negociações coletivas entre sindicatos patronais e de empregados – o que demandaria uma alteração na Constituição. Não seria preciso então, diz a professora, revogar a CLT.
“Mais da metade da população economicamente ativa está sem registro em carteira. Há uma lei que não vale para todo mundo”, diz a professora. “Ela [a CLT] vai continuar valendo, mas a questão é muito mais permitir que prevaleça o negociado sobre o legislado. As partes têm de ter autonomia para definir o que é melhor ou pior para elas.”

Leia nesta terça-feira (30) a segunda reportagem sobre as relações de trabalho no Brasil – 70 anos da CLT

    terça-feira, 23 de abril de 2013

    Com benefícios sociais generosos, Dinamarca sofre com "preguiçosos"



    País reconsidera auxílio a desempregados, estudantes e idosos para lidar com a crise


    NYT
    NYT
    Robert Nielsen vive de benefícios desde 2001: não quer "trabalhos degradantes" e comprou até apartamento
    Tudo começou como um experimento para provar que dificuldades e pobreza ainda faziam parte da Dinamarca, aquele país rico e distante, mas o experimento deu errado. Visite uma mãe solteira de dois filhos vivendo sob os cuidados da seguridade social, propôs um membro liberal do Parlamento a um adversário político cético, e veja por si mesmo o quão difícil é viver assim.
    Eles descobriram que a vida sob o bem-estar não era tão difícil assim. A mãe solteira de 36 anos de idade, que recebeu o pseudônimo de "Carina" na mídia, tinha mais dinheiro para gastar do que muitos dos trabalhadores período integral do país. Ao todo, ela recebia cerca de US$ 2.700 mensais (cerca de R$ 5,5 mil), e estava no bem-estar social desde que tinha 16 anos de idade.
    Nos últimos meses, os dinamarqueses não prestaram mais tanta atenção ao caso, e acreditam que apesar de tudo a situação de Carina é lamentável. Mas mesmo antes de sua história chegar às manchetes, há um ano e meio, eles estavam profundamente envolvidos em um debate sobre se o estado do bem-estar social do país, talvez o mais generoso da Europa, havia se tornado generoso demais, o que prejudica a ética de trabalho do país. Carina ajudou a desequilibrar essa balança.
    Com pouco barulho ou protesto político – ou aviso no exterior – a Dinamarca resolveu rever os direitos, tentando pedir para que os dinamarqueses trabalhassem mais ou durante mais tempo ou ambos. Enquanto grande parte do sul da Europa foi atinginda por greves e protestos à medida que seus credores forçam medidas de austeridade, a Dinamarca ainda tem classificação de risco AAA.
    Mas as perspectivas de longo prazo para o país são preocupantes. A população está envelhecendo e, em muitas regiões, as pessoas sem emprego agora superam o número de empregadas.
    Algumas dessas pessoas são resultado de uma economia deprimida, mas muitos especialistas disseram que um problema mais básico é que uma grande proporção de dinamarqueses não estão participando da força de trabalho – sejam eles estudantes universitários, jovens pensionistas ou beneficiários do bem-estar social como Carina, que depende do apoio do governo por simples comodismo.
    "Antes da crise, havia uma sensação de que sempre teríamos cada vez mais e mais riquezas", disse Bjarke Moller, o editor-chefe de publicações para Mandag Morgen, um grupo de pesquisa em Copenhague. "Isso não é mais verdade. Hoje, há uma série de pressões sobre nós. Precisamos ser uma sociedade ágil para sobreviver.”
    Uma trabalhadora dinamarquesa conta que a irmã vivia de benefícios, ganhava mais e perguntava: "Para que trabalhar?"
    O modelo dinamarquês de governo é praticamente uma religião no país, e produziu uma população que reivindica regularmente estar entre a mais feliz do mundo. Até mesmo políticos conservadores do país não estão sugerindo livrar-se dele.
    A Dinamarca tem um dos mais altos impostos sobre a renda do mundo, com a alíquota mais alta, de 56,5%, atingindo quem ganha acima de US$ 80 mil (cerca de R$ 160 mil) por ano. Em troca, os dinamarqueses recebem uma rede de segurança "do berço ao túmulo", que inclui sistema gratuito de saúde e educação (inclusive universitária), além de indenizações robustas mesmo para os mais ricos. 
    Pais de qualquer faixa salarial, a propósito, ganham cheqyes trimestrais do governo para ajudar no cuidado com as crianças. Os idosos ganham empregada grátis caso precisem, mesmo se forem ricos. 
    Mas, atualmente, poucos especialistas no país acreditam que a Dinamarca pode pagar pelas regalias que oferece. Por isso, a Dinamarca está planejando reequipar-se e mexer com as taxas de imposto, tendo em vista os novos investimentos do setor público e, a longo prazo, tentando incentivar cada vez mais pessoas – jovens e idosas – para viverem sem os benefícios do governo.
    "Antigamente as pessoas nunca pediam ajuda a não ser que precisassem”, disse Karen Haekkerup, ministra dos assuntos sociais e de integração, que foi honesta a respeito do assunto. “Foi oferecida uma pensão para a minha avó e ela se sentiu ofendida. Ela não precisa.”
    "Hoje as pessoas não têm essa mentalidade. Elas acham que esses benefícios fazem parte de seus direitos. Os direitos têm se expandido cada vez mais e nos trouxeram uma boa qualidade de vida, mas agora precisamos voltar para os direitos e os deveres. Todos nós temos que contribuir”, afirmou.
    Em 2012, pouco mais de 2,6 milões de dinamarqueses entre 15 e 64 anos trabalhavam, 47% da população total e 73% da população nessa faixa etária. Nos EUA, 65% das pessoas em idade de trabalhar estão empregadas, mas as comparações enganam, porque muitos dinamarqueses trabalham poucas horas e todos usufruem de pausas como longas férias e extensas licensas maternidade, para não mencionar o fato de que o salário mínimo é de US$ 20 (R$ 40) a hora. Se o ranking fosse de horas trabalhadas por ano, os dinamarqueses ficariam muito atrás.
    Getty Images
    Estudantes do país recebem, por seis anos, salário de R$ 1.980 para completar curso – que é gratuito
    O governo já reduziu planos de aposentadoria antecipada. Os desempregados costumavam receber benefícios durante até quatro anos. Agora o número foi reduzido para dois.
    Estudantes verão os próximos cortes, a maioria em recursos para que ingressem no mercado de trabalho mais rapidamente. Atualmente, eles têm direito a seis anos de salários, cerca de US $ 990 por mês, para completar um curso de cinco anos, que, naturalmente, é gratuito. Muitos demoram ainda mais para terminar, trancando seus estudos para viajar e para fazer estágios antes e durante seus estudos.
    Na tentativa de encolher o bem-estar social, o governo está se concentrando em fazer com que pessoas como Carina não existam no futuro. Ele propõe cortes de subsídios de bem-estar para quem tem menos de 30 anos e checagens mais rígidas para ter certeza de que os "ajudados" tentaram empregos ou programas de ensino antes de apelarem para benefícios do governo.
    Autoridades também questionam o grande número de pessoas recebendo cheques para deficientes por longos períodos. Cerca de 240 mil pessoas – ou 9 % da força de trabalho em potencial – tem recebido auxílio de deficiência durante toda sua vida, e aproximadamente 33.500 têm menos do que 40 anos. O governo propôs acabar com esse status para os menores de 40 anos, a menos que tenham uma condição física ou mental que seja grave o suficiente e os impeça de trabalhar.
    Em vez de oferecer cheques de deficiência, o governo pretende criar uma "equipe de reabilitação", que poderiam incluir aconselhamento, treinamento de habilidades sociais e de educação, bem como um emprego subsidiado pelo Estado, pelo menos no início. A ideia é fazer com que trabalhem, pelo menos meio período ou enquanto estudam.
    Carina não foi a única pessoa que demonstrou publicamente ter usufruído do sistema de bem-estar social da Dinamarca. Robert Nielsen, 45, foi manchete em setembro do ano passado ao admitir que estava vivendo com ajuda do estado de bem-estar social desde 2001.
    Nielsen disse que não era deficiente, mas não tinha intenção de aceitar um emprego degradante, tais como trabalhar em um restaurante fast-food. Ele se deu muito bem ao entrar para o bem-estar social, disse ele. Conseguiu até comprar um apartamento.
    Ao contrário de Carina, que não vai mais dar entrevistas, Nielsen, chamado de "Robert Preguiçoso" pela mídia, parece estar gostando da atenção. Ele disse que é bem recebido na rua o tempo todo. "Felizmente, eu nasci e vivo na Dinamarca, onde o governo está disposto a apoiar meu estilo de vida", disse ele.
    Alguns dinamarqueses disseram que a existência de pessoas como Carina e Nielsen não surpreende. Lene Malmberg, que vive em Odsherred e trabalha meio período como secretária, apesar de uma grave lesão cerebral que afetou sua memória de curto prazo, disse que a história de Carina não era novidade para ela.
    Em um determinado momento, disse ela, antes do acidente, quando trabalhava em período integral, sua irmã estava recebendo benefícios e ganhava mais dinheiro do que ela. "Eu concordo que de alguma maneira o sistema está errado", disse ela. "Eu queria trabalhar, mas minha irmã dizia: “Para que trabalhar?”

    Por Suzanne Daley